Aparências

Publicado por Mirian Salete Garcia - 27/01/2013 - 19h35

“Seu olhar é de apreciação. As roupas que veste a depreciam; aos olhos de meus colegas e, confesso, aos meus também.”

Estávamos conversando sobre as metas de vendas que precisávamos atingir durante os oito dias restantes daquele mês. Trabalho em uma loja de móveis e eletrodomésticos, na qual sou o vendedor mais experiente. As pessoas olham, gostam ou não, compram ou não, por consequência do gostar ou desgostar, simplesmente. O público alvo é a chamada “classe média/alta”, portanto, negociam descontos, mas geralmente adquirem o produto.

Uma mulher jovem entra nesse momento. Seu olhar é de apreciação. As roupas que veste a depreciam; aos olhos de meus colegas e, confesso, aos meus também. Ela certamente não possui recursos para comprar nada dessa loja, pensei. O julgamento veio amparado em experiências anteriores. O preconceito veio do conceito de que quem dinheiro possui, mostra-o principalmente, na aparência externa. Conheço a história do homem calçado em chinelos que comprou um carro à vista, na concessionária em frente à outra onde não lhe deram atenção, por considerarem perda de tempo dispor-se a alguém que “certamente” não disporia da moeda de troca. Poderia estar diante de um caso semelhante? Nunca se sabe!

Diante da visível hesitação de meus colegas, fui ao seu encontro. Um sorriso agradecido surgiu em seu rosto. Perguntei-lhe em que estava interessada e ela disse-me, sem hesitar, por sua vez, que gostaria de ver algumas coisas bonitas, práticas e confortáveis. Hoje, penso que o motivo a motivar-me a mostrar e explicar as diferenças entre um e outro item, com tão boa vontade, foi a atitude que ela demonstrou. Tinha uma postura despretensiosa, de quem desconhecia, mas pretendia conhecer. Maravilhava-se com os sofás, discordava das polegadas do televisor: “_É muito grande! Vai ser o centro das atenções e não é o que pretendo”. Questionava sobre funções de aparelhos desconhecidos… Fiz uma lista de tudo que ela julgou conveniente. Julgamento acertado, pautado em valores bem coerentes do necessário e do desnecessário para sentir-se bem em sua casa. Impressionou-me…

Mais de uma hora se passou. Em nenhum momento ela questionou os preços apresentados. Eu estava curioso. Em oposição à sua simplicidade no vestir, estava a riqueza do expressar-se. Opostos à falta de qualquer maquiagem, estavam os gestos elegantes, comedidos.

Eu deixei de pensar na venda que poderia ou não fazer. Algo dentro de mim dizia que nada venderia naquele momento, mas, eu nunca havia olhado para os objetos que vendia com esse olhar novo que me era emprestado… A moça mostrava-me uma capacidade humana que aos simples pertencem: a admiração do belo com profundidade. Há tanto eu deixara de apreciar cores, texturas, formas… Há tanto tempo eu estava fixado em valores monetários, sem outros motivos para meu trabalho que não visassem comissão. Hoje não! Eu consegui, diante do discurso descritivo de minha cliente, imaginar a disposição dos móveis em sua casa, e, suas composições com as cores escolhidas sugeriam-me acolhimento. Minha casa era prática e bonita, no entanto, percebi o pouco tempo que nela permanecia. Preferia passear com a família. A jovem na minha frente preparava um lugar de permanências prolongadas; uma xícara de café, um pedaço de bolo e conversas agradáveis.

Estava ainda articulando dentro de mim a recém descoberta, quando ela tocou de leve no meu braço. Era hora de ir, disse-me. Respondi que havia sido um prazer ajudá-la. Creio que a desconcertei, pois me perguntou se eu não queria saber se ela compraria ou não alguma coisa? Sem que eu tivesse tempo de responder-lhe, de encontrar as palavras que estavam sob custódia de minha alma silente, ela o fez.

_Senhor, muito obrigada! Eu trabalho durante o dia, à noite vou para a faculdade, cuido de minha casa e… Sonho. Isso mesmo, eu sonho. O que é a vida sem os sonhos? E o que é sonhar com o abstrato? Eu precisava tocar os objetos de meus desejos, senti-los reais. A concretude que hoje experimentei tornará mais possível a realização; eu vi a minha futura casa. Eu andei por ela, toquei em cada detalhe. O amanhã carece dos cuidados do hoje e o passado me estimula a estudar para ter uma vida melhor. Desculpe-me se sentir que seu tempo foi desperdiçado; eu pensei muito antes de aqui entrar, justamente por isso. Mais uma vez, agradeço-lhe.

A mulher se foi. Eu fiquei. Diferente. Pensativo. O que a ela pareceu perda, para mim foi ganho. Meus colegas perceberam algo, pois não me questionaram, mas eu tinha algo a lhes dizer e, era o porque de ninguém ter ido até a jovem senhora oferecer-lhe um café, água ou chá, como era o hábito? Ora, que julgamento a moça faria da loja? Não me importei com os olhares espantados.

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01 comentário publicado
  1. Mario Mario

    Parabéns Mirian, seu conto está bem fundamentado na realidade do dia a dia do comércio em geral.

    A maioria dos atendentes (VENDEDORES) se apressam em atender que chega bem trajado em seu local de trabalho.

    Não sabem eles, que um cliente com poder aquisitivo menor, mesmo usando roupas e calçados mais simples, o seu dinheiro tem igual valor e esses clientes são muito mais fáceis de serem fidelizados.

    O problema que o mal atendimento, menosprezo por alguém simples que adentra em qualquer ambiente, parece ser uma regra ou uma lei a ser cumprida. E isso só vai reduzir ou terminar, quando os patrões passarem a dar o exemplo, ou seja, eles atendem bem a todos e passam a cobrar igualdade no atendimento, independente da classe social de cada cliente.

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