Embora a sentença tenha sido publicada já em agosto último, apenas agora se está tomando ciência sobre a condenação do prefeito Carlos Roberto Scholze e de três funcionários que atuavam no setor de licitação no ano 2002, quando da aquisição de uma ambulância em convênio com o Fundo Nacional de Saúde, no montante de R$ 96 mil, dos quais R$ 76,8 mil foram destinados pelo Governo Federal, e R$ 19,2 mil foi a contrapartida da Municipalidade Mafrense.

Consta da sentença que “Pelo valor da compra, a modalidade de licitação adequada a ser realizada seria a tomada de preços, a teor do que dispõe o artigo 23, inciso II, ‘b’, da Lei n.º 8.666/93, mas o Município optou por fracionar o objeto licitado, de modo a tornar possível a adoção da modalidade convite, em dois procedimentos apartados (Convite n.º 35/2002, para a aquisição do veículo, e Convite n.º 36/2002, para a aquisição dos equipamentos que serviram para aparelhar aquele), restringindo a participação no certame às empresas VEDOVEL COMÉRCIO E REPRESENTAÇÃO LTDA., KLASS COMÉRCIO E REPRESENTAÇÃO LTDA. e LEALMAQ – LEAL MÁQUINAS LTDA. (EVENTO 2 – ANEXOS PET3 – fls. 185/235). Todas essas licitantes pertenciam a um mesmo esquema de empresas de fachada envolvidas no superfaturamento de bens em licitações públicas, que ficou conhecido posteriormente como ‘Máfia das Ambulâncias’, tendo se sagrado vencedora em ambos os processos licitatórios referidos, conduzidos pela Comissão Municipal de Licitação, a empresa KLASS COMÉRCIO E REPRESENTAÇÃO LTDA”.

Ainda de acordo com a sentença, a União apontou diversas irregularidades, entre elas o “indevido fracionamento do objeto licitatório; a falta de qualquer evidência da publicação do edital de convite; licitação de objeto diverso do definido no Plano de Trabalho; ausência injustificada de três propostas válidas nos convites; e ‘o superfaturamento do objeto da licitação em R$ 5.071,86’”.

“Quanto às irregularidades indigitadas, entendo que a União não logrou comprovar quatro delas, relacionadas à não publicação do edital de convite em local apropriado, à licitação de objeto diferente do definido no plano de trabalho, à inabilitação das empresas licitantes por apresentarem documentos sem a devida autenticação e ao superfaturamento.

Sobre o primeiro fato, afirmaram os réus que o instrumento convocatório dos certames foi afixado em mural da Prefeitura Municipal de Mafra/SC, argumento que não restou elidido pela União. À míngua de elementos fáticos nos autos em sentido contrário à manifestação dos demandados, considero que deve prevalecer a presunção de que foi dada a efetiva publicidade à licitação.

Também não ficou comprovada a invalidade da documentação apresentada pela empresa vencedora do convite, KLASS COMÉRCIO E REPRESENTAÇÃO LTDA., que foi a única tida por habilitada pela comissão de licitação para a participação na disputa. Logo, sucumbe à ausência de provas mais essa suposta irregularidade”, aponta o juiz Federal Sebastião Ogê Muniz, relator do processo.

O juiz diz ainda que não vislumbra a ocorrência de superfaturamento na aquisição da ambulância, que a diferença de pouco mais de R$ 5 mil, se deve ao fato de mera estimativa de preços de mercado. “Na verdade, a escolha da modalidade a ser adotada no certame é ato administrativo vinculado, devendo se dar nos estritos ditames da Lei n.º 8.666/93. Uma vez que o objeto a ser licitado no caso concreto – uma ambulância devidamente equipada – tinha valor equivalente a R$ 96.000,00, a modalidade cujo emprego exsurgia naturalmente do artigo 23, II, ‘b’, da aludida lei seria, de fato, a tomada de preços, prevista para serviços diversos de engenharia com valor superior a R$ 80.000,00. Entretanto, optaram os réus por fracionar esse objeto, de modo a realizar dois certames na modalidade carta-convite, sem nenhuma explicação plausível. A alegação de que se tratava de uma praxe administrativa do Município em suas contratações não convence, simplesmente porque a Administração Municipal deve pautar a sua atuação sempre pelo que dispõe a lei e não por uma prática que a contraria. Indevido, portanto, o fracionamento. A par dessa irregularidade, reputo também inadequada a realização do convite, sem repetição e sem justificativa, mediante apenas uma proposta válida”.

Destaca o juiz, ainda, que a Administração tem o dever de incrementar a competitividade pela convocação do maior número de participantes possíveis para o processo licitatório, “exigindo a Lei nº 8.666/93 que, na modalidade convite, sejam convidados a participar do certame, no mínimo, três interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não”.

Na sentença o magistrado diz que, “entretanto, em uma análise principiológica do processo licitatório como um todo, orientado pela busca da ampla competitividade, de modo a realizar da melhor maneira possível a supremacia do interesse público, pode-se perfeitamente concluir, como fez o juízo sentenciante, que o convite com uma única proposta válida, sem a pertinente demonstração das limitações de mercado ou desinteresse geral no objeto, vai de encontro aos interesses da Administração Pública.

E foi justamente isso que ocorreu na situação ora sob análise. Na carta convite n.º 35/2002, o edital só foi retirado por duas empresas, VEDOVEL COMÉRCIO E REPRESENTAÇÃO LTDA. e KLASS COMÉRCIO E REPRESENTAÇÃO LTDA., não havendo comprovante da entrega da carta-convite ou da retirada do edital pela empresa LEALMAQ – LEAL MÁQUINAS LTDA., que, no entanto, também participou da licitação (EVENTO 2 – ANEXOS PET3 – fls. 17/18). Na carta-convite n.º 36/2002, acudiram ao convite essas mesmas três empresas já mencionadas, sendo que, em ambos os certames, duas delas foram excluídas por inabilitação. A remanescente, única habilitada, foi a que venceu a disputa. Evidente, assim, também aqui uma irregularidade”.

Diz o juiz que o juiz de primeiro grau reconheceu as mesmas irregularidades, “porém, sem considerar configurado o ato de improbidade, por reputar não demonstrado o dolo dos réus. Em suma, ao contrário doo que concluiu o juízo sentenciante, tenho que a intencionalidade de burla dos preceitos e princípios concorrenciais evidencia-se por todo o contexto em que inseridas as condutas ora reputadas ímprobas”.

A sentença final do juiz Federal Sebastião Ogê Muniz, com despacho final da juíza Federal Substituta na Titularidade Plena, diz que se julga por bem acolher em parte os pleitos formulados pela Advocacia Geral da União, para reconhecer a perpetração do réu Carlos Roberto Scholze e os três funcionários que atuavam no setor de licitação, “do do ato de improbidade definido no caput do artigo 11 da Lei n.º 8.429/92 relativamente à violação dos princípios constitucionais da legalidade, da isonomia e da impessoalidade, impondo-lhes as penas de suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três anos e de multa civil equivalente a uma vez a remuneração por eles percebida à época”.

A juíza mandou publicar a sentença no último dia 09 de agosto, mas só veio a público agora, depois das eleições.

O ex-prefeito Carlos Roberto Scholze, procurado por várias vezes, até o fechamento desta matéria, não foi localizado para se manifestar sobre o assunto.